segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cientistas desenvolvem terapia genética capaz de reverter perda de visão hereditária

Uma noite no verão, a minha esposa chamou-me para ver como estava uma noite particularmente estrelada. Quando olhei para cima, fiquei espantado, porque era capaz de ver algumas estrelas. Eu não via estrelas desde há muito, muito tempo. Durante muito tempo eu vivi com a certeza da perda da visão», confessa Wayne Thompson, gerente de projeto de TI, em Staffordshire, no Reino Unido, citado em comunicado Universidade de Oxford. 

Aos 43 anos, Wayne Thompson começa a recuperar a visão há muito pensada perdida graças a uma inovadora terapia genética desenvolvida por investigadores na Universidade de Oxford com a colaboração do investigador português, Miguel Seabra, do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), da Universidade Nova de Lisboa (atual Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia). 

A terapia genética foi desenvolvida pelos cientistas na tentativa de tratar a coroideremia, uma doença hereditária que afeta um em cada 50 mil indivíduos, principalmente homens e que é causada por alterações no gene CHM, no cromossoma X. É uma doença progressiva, cujos sinais começam a surgir na adolescência e que pode levar à perda total da visão. 

O gene CHM foi identificado pela primeira vez pela equipa liderada por Miguel Seabra no Imperial College London, que posteriormente o estudou em ratinhos afetados pela doença e desenvolveu o vírus agora usado no ensaio clínico. 

Miguel Seabra, investigador português no CEDOC, da Nova Medical School
Miguel Seabra, investigador português no CEDOC, da Nova Medical School
© TV Ciência
«A minha equipa levou 20 anos a tentar entender a coroideremia e a desenvolver uma cura. Ver finalmente os doentes a serem beneficiados é extremamente gratificante, tanto para nós como para as famílias que apoiaram a nossa investigação», afirma Miguel Seabra, citado em comunicado do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), da Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa. 

Nos indivíduos com alterações no gene CHM, a inexistência da proteína produzida por este gene leva a que as células do pigmento da retina deixem de funcionar até que morram progressivamente, provocando uma diminuição da dimensão da retina. 

Os investigadores da Universidade de Oxford desenvolveram uma inovadora terapia genética com base num pequeno vírus que transporta o gene CHM, o qual é injetado por baixo da retina dos pacientes através de uma cirurgia. 

Com esta inovadora técnica, o objetivo dos cientistas é que o gene ao ser introduzido nas células da retina desencadeie a produção de proteínas e impeça a morte das células. 

Esta é uma investigação que está a decorrer há já alguns anos e agora os investigadores publicam na revista médica The Lancet, resultados promissores de um ensaio clínico que envolveu seis pacientes. 

«O mais difícil está feito: sabemos que o vírus que carrega a terapia genética entra nas células da retina, que recupera após a cirurgia. Agora é só esperar para ver como os pacientes evoluem», afirma Robert MacLaren, investigador do Nuffield Laboratory of Ophtalmology, da Universidade de Oxford, cirurgião consultor do Oxford Eye Hospital e consultor honorário no Moorfields Eye Hospital, que liderou o estudo e o ensaio clínico. 

Os resultados indicam que passados seis meses de tratamento após terem sido submetidos à intervenção cirúrgica, os pacientes apresentaram progressos na visão no que diz respeito à penumbra e dois dos seis pacientes demonstraram capacidade de ler mais duas a quatro linhas da tabela optométrica. 

Robert MacLaren, investigador do <i>Nuffield Laboratory of Ophtalmology</i>, da Universidade de Oxford
Robert MacLaren, investigador do Nuffield Laboratory of Ophtalmology,
da Universidade de Oxford
© DR
«O que é realmente animador é que a melhoria nestes dois pacientes em seis meses é significativa e tem sido, até agora, mantida», afirma o cientista. 

Para além dos seis pacientes que fizeram parte do estudo inicial, a terapia foi já testada em mais três pacientes com uma dose mais elevada. Robert MacLaren refere a este respeito que «estamos agora a tentar doses mais elevadas da terapia genética na próxima fase do estudo clínico para descobrir qual o nível necessário para parar a degeneração».

Apesar dos resultados promissores, o investigador confessa que «ainda é muito cedo para saber se este tratamento por terapia genética vai durar indefinidamente, mas podemos dizer que as melhorias da visão se mantiveram durante o tempo que temos vindo a acompanhar os pacientes, o que, num caso, é já de dois anos».

E o caso é o de Jonathan Wyatt, que aos 65 anos, conta como tem recuperado a visão. «O meu olho esquerdo, que sempre tinha sido o mais fraco, foi o que foi tratado como parte deste estudo» e «agora, quando eu assisto a um jogo de futebol na TV, se olhar para o ecrã apenas com o meu olho esquerdo, é como se alguém tivesse ligado os holofotes. O verde do campo é mais brilhante, e os números nas camisolas são muito mais claros».

Para além dos benefícios que esta terapia traz para os pacientes com coroideremia e de poder vir a ser usada como prevenção antes das células da retina serem destruídas, pode ainda ser uma esperança para indivíduos com outras doenças cujas células sensíveis à luz na retina são afetadas. 

«Os resultados que mostram uma melhoria na visão, nos seis primeiros pacientes, confirmam que o vírus usado neste tratamento pode entregar sua carga de DNA, sem causar danos significativos à retina. Isto tem grandes implicações para qualquer pessoa com uma doença genética da retina, tais como, com a degeneração macular relacionada com a idade ou a retinite pigmentosa, porque foi pela primeira vez demonstrado que a terapia de genes pode ser aplicada de forma segura, antes do início da perda de visão», afirma Robert MacLaren.
http://www.tvciencia.pt/tvcnot/pagnot/tvcnot03.asp?codpub=34&codnot=19

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